sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Em mim, o voo dos estorn­in­hos tem um estranho efeito hip­nótico. Não me canso de o obser­var.


"A varanda do meu 4º andar é provavel­mente o mel­hor ponto da cidade para obser­var os estorn­in­hos. Esta é a época em que eles chegam, às cen­te­nas de mil­hares, para pas­sar o Inverno. Instalam-se nas palmeiras à beira-rio, e entregam-se aos seus incríveis rit­u­ais quo­tid­i­anos, durante alguns meses.
De manhã e ao princí­pio da tarde, não sei por onde andam. Mas antes do crepús­culo concentram-se aqui. E começam então os treinos. Porque é disso que se trata: enquanto estão num local fixo, treinam para a grande viagem sazonal de que depende a sua sobrevivência.
Separam-se em ban­dos, que voam em para­lelo, para depois se unirem numa nuvem densa e opaca a rodopiar como um manto negro no vento. Avançam em for­mação mil­i­tar, mili­met­ri­ca­mente orga­ni­za­dos por esquadrões em voo pic­ado, que de súbito dis­per­sam, e como que caem, à maneira de lágri­mas num fogo de artifí­cio. E depois fazem desen­hos no céu, e efeitos de con­junto que pare­cem não ter outro propósito que não seja provo­car intim­i­dação e deslum­bra­mento, como os jogos de mas­sas na China de Mao.
Em cer­tas manobras, é nítida a com­po­nente de espe­táculo. Há estorn­in­hos que rebo­lam desam­para­dos até pal­mos do chão, antes de se ele­varem num der­radeiro golpe de asa, como trapezis­tas que fin­gem fal­har o salto, só para gan­har um grito emo­cionado da plateia.
Sabe-se que o obje­tivo de tudo isto é ensa­iar a grande expe­dição, em que as aves, avisadas por uma alter­ação hor­monal no seu próprio organ­ismo, via­jam para outro habi­tat, usando com­plexos sis­temas de nave­g­ação que incluem os cam­pos mag­néti­cos da Terra, a linha costeira, os sis­temas hidrológi­cos e mon­tan­hosos, os maciços flo­restais ou a tem­per­atura e humi­dade das mas­sas de ar.
Mas a ver­dade é que as acroba­cias aéreas dos pequenos pás­saros podem ser assus­ta­do­ras. Há meses li que uma aldeia da Beira Alta entrou em pânico por causa de um imenso bando de estorn­in­hos que se instalou numa certa árvore da praça cen­tral. As pes­soas convenceram-se de que aquele prodí­gio lhes traria doenças, ou mesmo males do outro mundo.
Em mim, o voo dos estorn­in­hos tem um estranho efeito hip­nótico. Não me canso de o obser­var. Se o fizer durante horas, um êxtase incom­preen­sível apodera-se de mim."
O texto não é nosso, mas merece ser divulgado, transcrito de mourapaul@gmail.com
Estorninhos em Paiva - Registo de 16/08/2012, fim de tarde, junto ao Marmoiral.Foto J. M.

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