"A varanda do meu 4º
andar é provavelmente o melhor ponto da cidade para observar os estorninhos.
Esta é a época em que eles chegam, às centenas de milhares, para passar o
Inverno. Instalam-se nas palmeiras à beira-rio, e entregam-se aos seus
incríveis rituais quotidianos, durante alguns meses.
De manhã e ao princípio
da tarde, não sei por onde andam. Mas antes do crepúsculo concentram-se aqui.
E começam então os treinos. Porque é disso que se trata: enquanto estão num
local fixo, treinam para a grande viagem sazonal de que depende a sua
sobrevivência.
Separam-se em bandos,
que voam em paralelo, para depois se unirem numa nuvem densa e opaca a
rodopiar como um manto negro no vento. Avançam em formação militar, milimetricamente
organizados por esquadrões em voo picado, que de súbito dispersam, e como
que caem, à maneira de lágrimas num fogo de artifício. E depois fazem desenhos
no céu, e efeitos de conjunto que parecem não ter outro propósito que não
seja provocar intimidação e deslumbramento, como os jogos de massas na
China de Mao.
Em certas manobras, é
nítida a componente de espetáculo. Há estorninhos que rebolam desamparados
até palmos do chão, antes de se elevarem num derradeiro golpe de asa, como
trapezistas que fingem falhar o salto, só para ganhar um grito emocionado
da plateia.
Sabe-se que o objetivo
de tudo isto é ensaiar a grande expedição, em que as aves, avisadas por uma
alteração hormonal no seu próprio organismo, viajam para outro habitat,
usando complexos sistemas de navegação que incluem os campos magnéticos
da Terra, a linha costeira, os sistemas hidrológicos e montanhosos, os
maciços florestais ou a temperatura e humidade das massas de ar.
Mas a verdade é que as
acrobacias aéreas dos pequenos pássaros podem ser assustadoras. Há meses
li que uma aldeia da Beira Alta entrou em pânico por causa de um imenso bando
de estorninhos que se instalou numa certa árvore da praça central. As pessoas
convenceram-se de que aquele prodígio lhes traria doenças, ou mesmo males do
outro mundo.
Em mim, o voo dos estorninhos
tem um estranho efeito hipnótico. Não me canso de o observar. Se o fizer
durante horas, um êxtase incompreensível apodera-se de mim."
O texto não é nosso, mas merece ser divulgado, transcrito de mourapaul@gmail.com
Estorninhos em Paiva - Registo de 16/08/2012, fim de tarde, junto ao Marmoiral.Foto J. M.
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