segunda-feira, 19 de junho de 2017

E agora, ...de novo eucaliptos ?...





Castelo de Paiva integra nas estatísticas o pequeno grupo dos concelhos de Portugal com mais taxa de arborização - acima dos 72% - ocupando mesmo a 6.ª posição.
Se como diz o presidente da câmara e a imprensa o concelho ardeu em 80% do território e a visão que se tem não o desmente, então o último sábado e domingo serão mais uma data negra para a nossa história a juntar a outros acontecimentos recentes igualmente tristes e trágicos.
Impõe-se refletir sobre os erros e causas do sucedido, que terão a ver numa primeira linha com a nossa organização de protecção civil, mas também devemos ponderar sobre se algum dia foram aferidas as nossas reais possibilidades de defesa de uma catástrofe como a que o tipo de florestação ameaçava.
A legitimidade de todos e de cada um para se ôpor à permissividade da florestação - exploração em monocultura de eucalipto - resulta da iníqua distribuição da riqueza e do prejuízo. É que, enquanto a anarquia permitiu o benefício apenas a alguns, a catástrofe faz agora distribuir cegamente por todos os prejuízos, ou não iremos agora todos ser chamados para as consequências?

A discussão nacional que se espera aconteça e as medidas que venham a ser adoptadas, pode ser que nos ajudem e que o façam na dimensão do sucedido. Esperamos sinceramente que a lição nos faça escolher outro caminho. A arborização que nos atribuía a estatística, não pode nunca mais ser permitida em exclusividade ao eucalipto.

Nós, dissê-mo-lo muitas vezes: a monocultura do eucalipto não é a melhor escolha. A nossa floresta autócne tinha castanheiros, sobreiros, carvalhos, amieiros, etc. que hoje não se vêem O desordenamento, provocado pela plantação de grandes e contíguas manchas, sem zonas de intermediação com espécies resistentes ao fogo, o desrespeito pelas linhas de água, enfim a ambição, a não fiscalização, a permissividade da tutela, que até sábado e domingo deram sossego e benefício a alguns, passaram agora a dar preocupação, prejuízo e sofrimento para todos.












escreveu Martinho Rocha 
17-10-2017



Assunto sobre que Jorge Paiva já falou em Paiva, em evento da ADEP, há mais de 20 anos:


Os incêndios e a desertificação do Portugal florestal







Antes da última glaciação, Portugal estava coberto por uma floresta sempre-verde (laurisilva). Durante essa glaciação a descida drástica da temperatura fez desaparecer quase por completo essa laurisilva, tendo sido substituída por uma cobertura florestal semelhante à actual taiga. Após o período glaciar, a temperatura voltou a subir, ficando o país com um clima temperado como o actual. Assim, a floresta glaciar foi substituída por florestas mistas (fagosilva) de árvores sempre-verdes (algumas delas relíquias da laurisilva) e outras caducifólias, transformando o país num imenso carvalhal caducifólio (alvarinho e negral) a norte, marcescente (cerquinho) no centro e perenifólio (azinheira e sobreiro) para sul, com uma faixa litoral de floresta dominada pelo pinheiro-manso e os cumes das montanhas mais frias com o pinheiro-da-casquinha (relíquia glaciárica). Por destruição dessas florestas, particularmente com a construção das naus (três a quatro mil carvalhos por nau) durante os Descobrimentos (cerca de duas mil naus num século) e da cobertura do país com vias férreas (travessas de madeira de negral ou de cerquinho para assentar os carris), as nossas montanhas passaram a estar predominantemente cobertas por matos de urzes ou torgas, giestas, tojos e carqueja. A partir do século XIX, após a criação dos "Serviços Florestais", foram artificialmente re-arborizadas com pinheiro-bravo, tendo-se criado a maior mancha contínua de pinhal na Europa. A partir da segunda década do século XX, apesar dos alertas ambientalistas, efectuaram-se intensas, contínuas e desordenadas arborizações com eucalipto, tendo-se criado a maior área de eucaliptal contínuo da Europa. Sendo o pinheiro resinoso e o eucalipto produtor de óleos essenciais, produtos altamente inflamáveis, com pinhais e eucaliptais contínuos, os incêndios florestais tornaram-se não só frequentes, como também incontroláveis. Desta maneira, o nosso país tem já algumas montanhas transformadas em zonas desérticas.
Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão. Infelizmente não vemos nenhum dos que defenderam sempre essa eucaliptização vir agora assumir as culpas destes "piroverões" que passámos a ter e que, infelizmente, vamos continuar a ter. Também sempre fomos contra o delapidar, por sucessivos Governos, dos Serviços Florestais (quase acabaram com os guardas florestais). Isso e o êxodo rural (os eucaliptos são cortados de 10 em 10 anos e o povo não fica 10 anos a olhar para as árvores em crescimento tendo, por isso, sido "forçado" a abandonar as montanhas e a ficar numa dependência económica monopolista, que "controla" o preço da madeira a seu belo prazer) tiveram como resultado a desumanização das nossas montanhas pelo que, mal um incêndio florestal eclode, não está lá ninguém para acudir de imediato e, quando se dá por ele, já vai devastador e incontrolável.
Infelizmente vamos continuar a ter "piroverões" por mais aviões "bombeiros" que comprem ou aluguem. Isto porque, entre essas medidas, não estão as duas que são fundamentais, as que poderiam travar esta onda de incêndios devastadores que nos tem assolado nas últimas décadas. Uma, é a re-humanização das montanhas, que pode ser feita com pessoal desempregado que, depois de ter frequentado curtos "cursos de formação" durante o Inverno, iria vigiar as montanhas, percorrendo áreas adequadas durante a Primavera e Verão. A outra medida fundamental seria, após os incêndios, arrancar logo a toiça dos eucaliptos e replantar a área com arborização devidamente ordenada. Isto porque os eucaliptos rebentam de toiça logo a seguir ao fogo, renovando-se a área eucaliptada em meia dúzia de anos, sem grande utilidade até porque o diâmetro da ramada de toiça não é rentável para as celuloses. Mas como tal não se faz, essa mesma área de eucaliptal torna a arder poucos anos após o primeiro incêndio e assim sucessivamente. Muitas vezes, essas mesmas áreas são também invadidas por acácias ou mimosas, bastando para tal que exista um acacial nas proximidades ou nas bermas das rodovias, pois as sementes das acácias são resistentes aos fogos e o vento ajuda a dispersá-las por serem muito leves. As acácias, como são heliófitas (plantas "amigas" do Sol), e não havendo sombra de outras árvores após os incêndios, crescem depressa aproveitando a luminosidade e ocupando aquele nicho ecológico antes das outras espécies se desenvolverem.
Mas como vivemos numa sociedade cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais, com maior rapidez e o mais barato possível, as medidas propostas são economicamente inviáveis por duas razões: primeiro, porque é preciso pagar aos vigilantes e respectivos formadores; segundo, porque arrancar a toiça dos eucaliptos é muito dispendioso (custa o correspondente ao lucro da venda de três cortes, isto é, o lucro de 30 anos). É bom também elucidar que os eucaliptais só são lucrativos até ao terceiro corte (30 anos). Depois disso, estão a abandoná-los, o que os torna um autêntico "rastilho" ou, melhor, um terrível "barril de pólvora", áreas onde os seus óleos essenciais, por vaporização ao calor, são explosivos e, quando a madeira do eucalipto começa a arder, provocam a explosão dos troncos e respectiva ramada, lançando ramos incandescentes a grande distância. Este "fenómeno" tem sido bem visível nos nossos "piroverões".
Por outro lado, pelo menos uma destas medidas (arranque da toiça e re-arborização ordenada) não tem resultados imediatos mas a longo prazo. Por isso os governantes não estão interessados na aplicação dessas medidas, pois interessa-lhes mais resultados imediatos (as eleições são de quatro em quatro anos...) do que de longo prazo.
Assim, sem resultados imediatamente visíveis e com uma despesa tão elevada, os governos nunca vão adoptar tais medidas. Preferem gestos por vezes caricatos, como distribuir telemóveis aos pastores, mas que nunca não acabarão com os "piroverões".
Finalmente, após a referida delapidação técnica e funcional dos Serviços Florestais (antigamente, os incêndios florestais eram quase sempre apagados logo no início e apenas pelo pessoal e tecnologia dos Serviços Florestais), esqueceram-se da conveniente profissionalização e apetrechamento dos bombeiros, melhor adaptados a incêndios urbanos.
Se os nossos governantes continuarem, teimosamente, a não querer ver claramente o que está a acontecer, caminharemos rapidamente para um amplo deserto montanhoso, com a planície, os vales e o litoral transformados num imenso acacial, tal como já acontece em vastas áreas de Portugal. Biólogo


recortamos do Público

2 comentários:

Piko disse...

Não me espanta que uma boa parte da nossa floresta esteja em risco há muitas décadas, como este documento vem provar! O poder político (mesmo depois de Abril) nunca se preocupou em tomar medidas sérias e futuristas... Foi respondendo de formas habilidosas ano após ano e medidas sérias e eficazes nem vê-las... Agora, perante uma tragédia ainda maior que as anteriores neste ano de 2017 vêm todos a terreiro dizer que agora é que vai ser!... Acredita quem quer... Parece-me, que a maior preocupação desta gentinha, será agarrar os lugares que ocupam na vida política e social, admitindo, ceder este ou aquele lugar, mas em troca, se possível, não baixando de patamar! Infelizmente, creio ser esta a triste realidade... Se vierem a provar o contrário nos próximos dez, vinte anos, cá estarei para me redimir e pedir desculpa! E ficaria imensamente satisfeito!

ADEP disse...

Gratos pelo comentário.