O Pároco da freguesia de Fornos, Padre José S. Correia de
Noronha, no ano de 1933, apesar do seu esforço, (e do seu estatuto - já que era vereador da Câmara e membro da União Nacional) não conseguiu mudar as viagens
dos barcos rabelos de domingo para segunda-feira, proporcionando assim o
descanso semanal ao domingo aos 38 arrais e negociantes e aos 120 homens que trabalhavam
sob as suas ordens.
Em 1942, o Cais do Castelo aparece referenciado
como o de maior movimento em todo o rio Douro, constituindo um autêntico entreposto
com a capital do norte. No ano de 1947, segundo a obra da Dr.ª Margarida Rosa
Moreira de Pinho – “Elementos para a História de Castelo de Paiva” ainda o
Castelo tinha barcos de carreira para o Porto aos domingos!...
Damos ao conhecimento dos leitores um texto do Arquivo
Paroquial da freguesia de Fornos. Aproveitamos para agradecer ao Rev. Padre Carlos Luís S. Correia o facto de nos
ter possibilitado a reconstituição deste mesmo texto no nosso arquivo
documental.
“Há na praia do Castelo o costume imemorial de partirem ao
domingo para o Porto os barcos do tráfego semanal.
Só nós párocos sabemos o quanto de transtorno e
prejuízo isto não custa à vida religiosa da freguesia e por tal motivo, já em
tempos o Rev. Sr. Padre Francisco dos Santos Cunha (*) tentou mudar essa viagem
para as segundas-feiras, não o conseguindo.
Tentei eu também essa mudança em 1933. Para isso, convidei
para uma reunião em minha casa todos os arrais e negociantes do Castelo,
comparecendo os senhores, José Pinheiro Branco, Joaquim Pinheiro Branco,
António Gomes da Silva Serra, Francisco de Oliveira Vagaroso, Joaquim Teixeira
de Melo, Manuel Teixeira Inverneiro Júnior, Manuel Pereira Mil-Homens; António
Pinto, Luiz Pinto, Bernardo de Almeida, António de Oliveira Ribas, Jacinto de
Sousa, Francisco Teixeira Moranguinho, João Pereira, Manuel Marques, Manuel de
Sousa Pitada, José Gabriel de Oliveira, Manuel Teixeira Inverneiro (Anté),
Serafim Alves. Heitor Pereira Mil- Homens e Joaquim de Almeida (Mano),
representado pelo filho. Todos estes arrais e negociantes concordavam na
mudança, com a condição de todos concordarem, tanto desta praia, como das de
Bitetos, Fontelas, Vimieiro, Fontaínhas da Raiva e Pé de Moura da Lomba, pois
ficando alguns sem se comprometerem, estariam no mercado da Ribeira logo na
segunda de manhã fazendo seu negócio antes dos outros chegarem, o que
representa a sua ruína.
Havendo alguns que se recusaram a aderir (da praia do
Castelo, não compareceram Francisco Teixeira Arranjinho e Joaquim Nunes
(Russo), procurei conseguir no Governo Civil do Porto que fosse proibida que a
praça da Ribeira fosse aberta às segundas-feiras, antes das 12 horas, mas
responderam-me que era isso atribuição da Câmara Municipal do Porto, por isso
lhes dirigi o seguinte ofício: Ex. mos Senhores, Presidente e Câmara Municipal
do Porto: Eu, José Soares Correia de Noronha, pároco de Fornos, Castelo de
Paiva, auxiliado pelos meus colegas da Raiva, Souselo, Várzea do Douro e Lomba,
respectivamente dos concelhos de Castelo de Paiva, de Cinfães, do Marco e de
Gondomar, convidei a viajarem às segundas-feiras todos os arrais do rio Douro e
negociantes que fazem viagens todos os domingos para o Porto, para fazerem a
praça da Ribeira às segundas-feiras, tendo em vista o meu convite que 120
homens que trabalham sob as ordens daqueles arrais tivessem o seu descanso
semanal ao Domingo como desejam. Trinta e cinco arrais e negociantes que
concorrem à praça da Ribeira nas segundas-feiras, cujas assinaturas junto a
este pedido, prontificando-se com satisfação
a mudar as suas viagens para as segundas-feiras; mas para não serem
prejudicados por gananciosos, pede-se para a praça desses dias na Ribeira, não
começar antes das 12 horas.
Nas cinco praias que concorrem à praça da Ribeira, só três
arrais deixaram de a assinar, sem alegar o menor motivo. Será por ganância ?
Será por hostilidade ao suplicante, que é vereador da Câmara e membro da União
Nacional Concelhia de Paiva? Hostilidade política, portanto?
Não o disseram, nem tem explicação o seu procedimento.
Por isso, para prevenir os interesses dos arrais e
negociantes que assinaram a quasi totalidade (35 contra 3) e porque se trata de
uma medida de grande alcance moral e social para estas terras, venho pedir à
Ex.ma Câmara do Porto, a sua intervenção decisiva, mandando que a praça que se
realiza todas as semanas às segundas-feiras, no cais da ribeira, não possa
começar, de hoje em diante, antes das doze (12) horas, podendo continuar por todo
o dia de terça-feira.
Desta sorte, os barcos do Castelo e demais praias concorrentes
podem partir na madrugada das segundas-feiras, por forma a estarem na Ribeira
ao meio dia, começando todos a essa hora os seus negócios, sem prejuízo para ninguém.
Para bem da Nação. Fornos de Paiva, 14 de Julho de 1933. P.e José Soares
Correia de Noronha.
Respondeu a Câmara
do Porto a este ofício, dizendo não ser das suas atribuições o que se pedia,
mas sim da Capitania Marítima.
Dizia-se ao tempo que
a nova lei do descanso semanal abrangeria toda a espécie de comércio, e, como o
tráfico do rio Douro era comércio, esperei a ver se a Lei fazia, sem favor, o
que pretendíamos. Infelizmente nada se fez. Oxalá este meu esforço sirva de
exemplo e incentivo a outro mais feliz. Ass. P.e José Soares Correia de Noronha”.
P.S. – O concelho
deve uma homenagem a esta gente de marinheiros, arrais, construtores de barcos,
carreteiros e negociantes de toda a espécie de produtos (ovos, animais, fruta, vinho, azeitona, carvão, etc. etc.).Esse gesto hoje em dia, deve ser por forma a ter um efeito multiplicador, dinamizando a economia, agregando portanto
instituições e pessoas, servindo de âncora ao turismo, pelo que pode muito bem
ser materializado na promoção e salvaguarda do imenso espólio físico e espiritual
recolhido e/ou localizado por efeito das iniciativas levadas a cabo pela ADEP
(Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Castelo de
Paiva), ao longo dos seus últimos 30 anos de intensa actividade.
É que é tempo de
alterar procedimentos que custam milhares de contos ao erário público com a
feitura de fontes luminosas, festarolas e foguetórios, rotundas e mamarrachos, enquanto estes monumentos e memórias estão esquecidos pelos entes públicos...
(*) - Pároco que veio a ser da freguesia de S. Martinho de Sardoura.
Texto revisto do já publicado no TVS, nos finais dos anos 90.
Martinho Rocha
Texto revisto do já publicado no TVS, nos finais dos anos 90.
Martinho Rocha
1 comentário:
Li, e adorei este texto.
Sem qualquer dúvida esse dia da semana, - o Domingo - era o elo de ligação à família, à comunidade e ao compromisso religioso católico a que fomos ligados até ao despertar.
Cada Padre, na sua prática dominical em cada missa, olhava os paroquianos e memorizava a sua presênça ou ausência, bem melhor que os mais sofisticados meios informáticos deste tempo ! ... e na missa seguinte, não se inibia de, olhando e vendo a presênça de um faltoso na missa anterior, lhe perguntar porque causa tinha faltado !
Curiosamente, estávamos proibidos de falar dentro da igreja/capela em qualquer cerimónia !!!
Compreendo, e vejo a intenção do pároco, no sentido humano e de protecção à família e aos meios sociais dessa época, mas o movimento das marés, fazendo as correntes inversas ao sentido "Nascente/Jusante", tornariam impossível a chegada dos barcos à Ribeira do Porto, em tempo anterior à hora referida para início de vendas.
Os tempos são outros, mais liberalizados e muito mais necessários ao convívio da família e da comunidade, todavia, ainda não vi quaisquer Sindicatos proporem a Governos e Associações, o descanso dominical.
Sem dúvida que nos nossos dias, mesmo sem os barcos do passado, não faltam Centros Comerciais e Super Mercados a justificarem os Padres daqueles tempos !!!
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