sábado, 12 de dezembro de 2015

O Volfrâmio

O Volfrâmio
Contributos Para O Futuro Arquivo De Arouca
Mina da Fiveda (Gola) – Alvarenga.
A exploração do volfrâmio em Arouca teve três importantes “Campos mineiros”, Rio de Frades-Cabreiros, Regoufe-Covêlo de Paivó e Alvarenga. De entre estes, Alvarenga tem várias especificidades que importa recordar. Foi em Alvarenga que se concessionaram as primeiras explorações oficiais do concelho. Em 1911 o engenheiro civil António Ferreira da Silva Barros natural de S. Mamede de Infesta e residente no Porto obteve no mesmo dia, as concessões da “Chieira” e “Fiveda”. Relendo os registos camarários de manifestos e novas descobertas, comprova-se o seu interesse pelo minério de Alvarenga desde 1909. Gostaria de ter obtido mais elementos sobre este engenheiro, principalmente por ter sido o pioneiro a obter uma concessão estatal em Arouca. Se em outras localidades, foram maioritariamente estrangeiros a arrancar com as explorações, em Alvarenga, foram portugueses. Das catorze concessões que existiram em Alvarenga a mina da “Fiveda” ou (Gola) é sem qualquer dúvida a mais importante de todas. Foi nesta mina que se extraiu maior quantidade de minério, foi ainda aqui que trabalharam maior número de mineiros e se implementaram as tecnologias mais avançadas de exploração para a época. Sobre o seu primeiro apogeu, que coincidiu com a primeira «Guerra Mundial», muito poucos elementos existem, provavelmente continuaria como proprietário o engenheiro Barros. A este período áureo, sucedeu alguma estagnação na atividade mineira, só seria verdadeiramente superada em finais dos anos trinta com os primeiros sinais da segunda «Guerra Mundial». Neste novo arranque em força na mina da “Fiveda”, aparece como seu novo proprietário, José Cândido Dias no ano de 1938. Também não é natural de Alvarenga, mas sim de Moncorvo e residente no Porto. Sobre este «Senhor» do volfrâmio como foi apelidado, possuía interesses em outras explorações no nosso concelho. Monte de Anacleto Soares e Vau em Canelas, Chãs em Cabreiros, Monte da Prova em Covêlo de Paivó. Detinha ainda uma cota de relevo no capital social da “Empresa Mineira de Sabrosa, Lda.”, uma das mais importantes no país, dominada pelo alemão Kurt Dithmer (Lage, 2002). Possivelmente neste período de disputa acérrima do volfrâmio entre ingleses e alemães seria aliado dos últimos. Contra o que seria de esperar, Cândido Dias, sede parcialmente a mina da “Fiveda” em 1941 a Alexandre Ferreira Barros, no ano seguinte, vende-lhe a sua totalidade (Silva, 2011). Sobre Alexandre Barros, recolhemos algumas informações orais. Efetivamente era filho do primeiro explorador da mina e terá sido o último a abandonar a exploração. Comerciante de grandes posses na cidade do Porto mantinha escritório permanente na Rua 31 de Janeiro, sendo um apaixonado pela numismática. Apesar da mina da “Fiveda” possuir uma separadora própria, Alexandre Barros teria forte participação numa outra sociedade «Barros & Chaves, Lda.» que detinha a concessão “Chieira”, assim como uma separadora no Padrão da Légua nos arredores do Porto. Nesta separadora tratariam minério proveniente de outras minas suas, mas também o minério de outros intermediários, muito dele proveniente de explorações familiares clandestinas.
Esta notícia sobre a mina da “Fiveda” foi motivada, mais uma vez, pelo aparecimento de uma fotografia inédita, em que estão presentes os mineiros junto das instalações, que se situavam mesmo à boca da mina. Esta fotografia, pertence a Fernando Ferreira natural de Alvarenga, deixou-lha o seu pai, Antero Mendes Ferreira (mineiro), integrado também no grupo. Uma imagem tão rara como esta proporciona vários comentários logo à partida, estão presentes cerca de sessenta e três pessoas. Atendendo a que nestas minas mais importantes em épocas altas se trabalhava em regime de turno é muito provável não esterem presentes todos os funcionários. Por outro lado, verifica-se a presença de cerca de quarenta e cinco homens, treze mulheres e cinco rapazes. Os homens estariam mais ligados aos diversificados trabalhos no interior da mina, assim como ao transporte dos produtos extraídos. As mulheres, maioritariamente jovens, ocupavam-se da britagem e separação dos minérios. Os rapazes eram denominados “Pinches”, transportavam essencialmente as ferramentas de desgaste usadas no interior da mina pelos mineiros, depois de afiadas na forja. Outro pormenor importante é a presença de vários bidons de combustível, destinado às máquinas que em grande número trabalhavam nesta mina (geradores, lavaria, separadora, compressor para acionar os martelos pneumáticos, etc.). A mina da “Fiveda” como outras em Alvarenga tinha um grave condicionante, os filões afundavam no maciço obrigando as explorações a seguirem a sua inclinação até grandes profundidades. Obrigatoriamente era necessário bombar continuamente a água que aí juntava.
Vista e revista esta imagem, faria todo o sentido procurar um depoimento de alguém ainda vivo presente na fotografia, para identificar outras pessoas e poder datar o momento. Não foi difícil, porque realmente ainda existem várias pessoas vivas. Esta fotografia foi tirada entre 1950/52, precisamente na terceira corrida ao minério, que coincidiu com a «Guerra da Coreia». Encontrei no Lugar dos Carreiros a Sra. Donzilia da Silva Vasconcelos (81 anos), dessa demorada conversa apenas farei uma breve resenha: «…Estou aqui. Não me recordo de tirarem essa fotografia. Reconheço o meu pai Jerónimo Vasconcelos, José da Tapada, Luís Valtarejo, o “Correntes” ainda vivo, assim como o Manuel Ramos, Serafim de Louredo, Celestino Ramos, Lionide, Otília de Vila Galêga, e muitos outros de fora de Alvarenga. Fui trabalhar com 13 anos para a mina da “Espinheira”, essa mina ficava um pouco mais acima da “Companhia” (nome atribuído normalmente às minas mais importantes), aonde trabalhavam o meu avô e os meus pais. O meu trabalho na “Espinheira” era: de manhã fazia um caldo para os mineiros almoçarem ao meio dia. De tarde, ainda ia britar e lavar minério, ganhava nove escudos por dia. Mais tarde, o meu pai pediu ao encarregado geral de então o Sr. Tomé, para eu ir trabalhar para a “Companhia”, aonde trabalhei até aos vinte anos, idade com que me casei, deixando a mina em definitivo. Trabalhava-mos de dia, mas a mina trabalhava também de noite, nós tínhamos que separar no nosso turno todo o material extraído, por vezes trabalhava-mos mais horas para completar certos carregamentos. Durante esse período, desempenhei várias funções atribuídas normalmente às mulheres, andei na escolha, britagem, lavaria, bucha e na caleira de balança. O que mais me impressionava era a situação dos homens, saiam da mina como “Moleiros”, até se tornava difícil reconhece-los. Era o maldito pó produzido pelos martelos de furar, levou bem cedo muitos dos presentes nesta fotografia. Recordo-me do seguinte truque, o capataz era informado com antecedência das fiscalizações e mandava molhar as instalações e as minas para esconder o pó acumulado…».
As pessoas que conviveram com os trabalhos mineiros estão presentemente com idades avançadas, falei ainda com o Sr. Fernando Soares da Silva, (92 anos), mais conhecido por Fernando Pinto. Por um curto período, foi capataz da “Companhia”. Seguiu as pisadas de seu pai Manuel Pinto da Silva que desde os inícios da epopeia, sempre comercializou e explorou minério: «… Com a idade de vinte anos em 1941, já comprava e vendia minério. Um ano depois, fui também protagonista na chamada “Revolução” de Alvarenga. Não tinha qualquer minério naquele negócio trágico, desconfiava do mesmo. Fui arrastado como muitos pelos laços familiares. Assisti a tudo, sendo avisado de noite para fugir, porque no outro dia estaria cá o exercito para prender toda a gente. Fugi para o Lugar da Cabranca, depois para Tendais, aonde estive refugiado vários meses. Por fim, estive oito dias preso, porque decidi estar presente no julgamento coletivo, sendo absolvido. Continuei a viver do minério, tanto em sociedade com o meu pai e irmãos, como fui também capataz em várias minas. Sobre a mina da “Fíveda” tenho uma história curiosa para contar. Em 1956 o minério andava em baixa, e sai-me a lotaria, (500 contos), uma pequena fortuna na altura. Logo é espalhada a notícia e passado uns dias o Sr. Alexandre Barros e o seu encarregado geral Sr. Tomé, vêm bater-me na porta. Em primeiro, pedem-me emprestado (150 contos) e convidam-me para ir trabalhar como capataz da mina. Aceitei, a mina estava com dificuldades financeiras, já não pagavam ao pessoal fazia três meses. Nessa altura, como era habitual, o capataz para além do ordenado mensal, podia ter uma percentagem na produção. Oferecem-me 3% do valor do minério, caso a produção chegue às três toneladas mensais, e 5% caso chegasse às cinco toneladas. Apenas trabalhei lá seis meses e a produção foi de sessenta toneladas. A minha presença e o aumento da produção causaram inveja ao encarregado Tomé. Foi queixar-se ao Barros de que eu iria ganhar mais do que ele, não gostei dos argumentos usados, despedi-me, no entanto continuei a ter boas relações e negócios com o Alexandre Barros. Ao ponto de ele um dia me ter confidenciado com bastante mágoa o seguinte: Ó Pinto ando desanimado o meu filho disse-me, você e o Tomé, são os maiores assassinos de Alvarenga… A mina da “Gola” terá encerrado em definitivo nos princípios dos anos sessenta…»
Texto: Manuel Valério de Figueiredo.
Fotografia: Fernando Ferreira.

Sem comentários: