sábado, 13 de agosto de 2016

As pedras da Sirga, de Rio Mau - Penafiel


Chamamos "pedras da sirga" aos vincos gravados na rocha pelas cordas de puxar(sirgar/alar) os barcos rabelos na subida do Douro, quando não havia vento norte.


Estes testemunhos da dura vida da tripulação dos rabelos existem em vários locais, nalguns já foram destruídos, noutros até se encontram submersos pelas águas por causa do enchimento das barragens.
Porque fomos sensibilizados pelo amigo e colaborador Mário Oliveira, para a existência destes testemunhos em Rio Mau – Galheiros de Penela, fomos visitar local para cumprir o que previamente aprovamos: pedir à DGPC - Direcção Geral do Património Cultural a classificação destes verdadeiros monumentos.

Fomos reconhecer o local e reunir elementos  deste importante testemunho de uma história heróica  das gentes “rabeleiras” mas também da colaboração prestada nas margens, com a sirgagem dos barcos, pelas populações por si, mas também com os seus gados,  cujo registo  ficou  gravado nas fragas, como aí é visível, nas pedras de xisto denominados Galheiros de Penela.

Pelo realismo da descrição transcrevemos as notas de Mário Oliveira, da azáfama, a que assistiu vezes sem conta, das passagens dos Galheiros da Penela:
“Olha o Galheiro, ... segura a espadela,  finca bem o bicheiro, agarra na corda que hoje não há Norte  e rema para o pego !!! Boieiro, ... boieiro, ... boieiro !!!
(Termos rabeleiros que me ficaram no ouvido)
Douro abaixo, Douro arriba num frenesim constante de dura vida, era assim que os olhava enquanto a minha  "Pinta", de pedra em pedra pastava os mais suculentos e verdes manjares que as límpidas águas do rio faziam crescer.
... e eles lá vinham de vela içada, subindo a suave corrente entre as rochas e o areal ao sabor do vento norte.
... mas hoje não há Norte.  Que pouca sorte !
De rocha em rocha, em precipícios medonhos, o típico alador de Rabelos, de ceroulas a meio da perna, boné protector solar, tronco nu e de corda ao ombro lá  se esbatia para que o seu barco vencesse os "Galheiros da Penela".
... e quantas cordas passaram na evidência destas marcas !
Entretanto, os olhares do Zé de Sousa, do Balaído e dos outros lavradores atentos, já haviam visto os barcos na Penela e a corrida para o areio de H´ortos tornava-se barulhenta entre  berrarias e praguejos !
Boieiro, ... boieiro, ... boeiro, berrava desde o barco o arrais agarrado firmemente á espadela !
... e perfiladas no início do areio, - na Queda - às juntas de bois lá se iam atrelando os rabelos conforme a sua chegada.
... e que descanso para aqueles Homens que desde o areio de Melres,  Penela acima até à Arealva, haviam sulcado rochas e louvado a Deus terem chegado sãos e salvos.
Até ao topo dos cerca de três mil metros de areal de H´ortos, ao Carneiro, aqueles Homens estavam sossegados do corpo, ... mas pesarosos das novas dificuldades das correntes do Remesal e da Pedras de Linhares.
... e após toda esta aventura, de gigo ou cesto nas mãos, era de quem mais via ao longo do areal a tarefa da apanha da "Bosta dos bois" para a adubação dos campos e vedação da porta do forno !”

E porque era preciso conhecer o ambiente da aldeia como e onde morava essa gente esforçada e solidária, porque dessa matriz também se tempera o carácter dos homens, fomos percorrer os montes e vales, caminhos e quelhos daquela aldeia em anfiteatro para o Rio Mau, na fralda  da Serra da Boneca, em frente a Pedorido. 

Fomos afagar como nosso tacto as pedras e sinais, testemunhos de vivência e cultura de muitas gerações. Ficamos extasiados, com a beleza paisagística soberba com  as fortes marcas  da actividade geológica, e também da mão humana  visível em toda a bacia do Rio Mau, onde pontuam hortas e socalcos, lameiros, levadas e minas, todos bem antigas.
Experimentamos diversas sensações: a vertigem no Poço Negro visto lá do alto contrastante com a confortante acalmia e pacatez da vida no lugar, ao ritmo do lento deslizar do Rio Mau aos seus pés, no fim de tarde, que dá a respirar uma aragem  fresca que nos refresca, em todo o lado; 


admiramos a paisagem infinda, e vieram-nos à memória tempos livres da juventude quando deparamos com a praia e moinhos; e adivinha-se o aconchego familiar, para lá das paredes, portões e terraços, por onde passamos; resistimos ao frenezim, de partir à aventura e descoberta desse mundo de penhascos, poços e  minas  encantados e povoados de lendas e fantasmas ali, no poço dos Mouros, daquele pórtico prá nascente – que os mais velhos sempre  proibiam aos mais novos, até que soubessem nadar, crescessem e se tornassem  adultos.
O nosso guia, foi-nos guiando e legendando estas vistas, que amiúde nos surpreendiam e extasiavam, desfiando um rol de vivências e estórias passadas – ora fantasmagóricas, ora hilariantes, verídicas, tecidas pela ruralidade,  pela crença e pela garra das gentes destes sítios;



Depois,  não se esquece que Pedorido  vê-se lá do alto, da Estivada, emoldurado pelo Douro, qual quadro pintado, tendo como fundo terras de Arouca, a perder de vista e de uma beleza extrema, que é  inesquecível e dificilmente comparável. Sofre-se agora ao pensar nos prejuízos, angústias e devassa que terão provocado os recentes fogos naquela paisagem… Vamos ao trabalho, cuidar do que resta...










fotos e textos; Martinho Rocha / Mário Oliveira

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