Chamamos "pedras da sirga" aos vincos gravados na rocha pelas cordas
de puxar(sirgar/alar) os barcos rabelos na subida do Douro, quando não havia
vento norte.
Estes testemunhos da dura vida da tripulação dos rabelos existem em
vários locais, nalguns já foram destruídos, noutros até se encontram submersos
pelas águas por causa do enchimento das barragens.
Porque fomos sensibilizados pelo amigo e colaborador Mário Oliveira,
para a existência destes testemunhos em Rio Mau – Galheiros de Penela, fomos visitar local para cumprir o que previamente aprovamos: pedir à DGPC - Direcção Geral do Património Cultural a classificação destes verdadeiros monumentos.
Fomos
reconhecer o local e reunir
elementos deste importante testemunho de uma história heróica das gentes “rabeleiras” mas também da
colaboração prestada nas margens, com a sirgagem dos barcos, pelas populações
por si, mas também com os seus gados,
cujo registo ficou gravado nas fragas, como aí é visível, nas pedras de xisto denominados Galheiros de Penela.
Pelo realismo da descrição transcrevemos as notas de Mário Oliveira, da azáfama, a que assistiu
vezes sem conta, das passagens dos Galheiros da Penela:
“Olha o Galheiro, ... segura a espadela, finca bem o bicheiro, agarra na corda que
hoje não há Norte e rema para o pego !!! Boieiro, ... boieiro, ... boieiro !!!
(Termos rabeleiros que me
ficaram no ouvido)
Douro abaixo, Douro arriba
num frenesim constante de dura vida, era assim que os olhava enquanto a
minha "Pinta", de pedra em
pedra pastava os mais suculentos e verdes manjares que as límpidas águas do rio
faziam crescer.
... e eles lá vinham de vela
içada, subindo a suave corrente entre as rochas e o areal ao sabor do vento
norte.
... mas hoje não há
Norte. Que pouca sorte !
De rocha em rocha, em
precipícios medonhos, o típico alador de Rabelos, de ceroulas a meio da perna,
boné protector solar, tronco nu e de corda ao ombro lá se esbatia para que o seu barco vencesse os
"Galheiros da Penela".
... e quantas cordas passaram
na evidência destas marcas !
Entretanto, os olhares do Zé
de Sousa, do Balaído e dos outros lavradores atentos, já haviam visto os barcos
na Penela e a corrida para o areio de H´ortos tornava-se barulhenta entre berrarias e praguejos !
Boieiro, ... boieiro, ...
boeiro, berrava desde o barco o arrais agarrado firmemente á espadela !
... e perfiladas no início do
areio, - na Queda - às juntas de bois lá se iam atrelando os rabelos conforme a
sua chegada.
... e que descanso para
aqueles Homens que desde o areio de Melres,
Penela acima até à Arealva, haviam sulcado rochas e louvado a Deus terem
chegado sãos e salvos.
Até ao topo dos cerca de três
mil metros de areal de H´ortos, ao Carneiro, aqueles Homens estavam sossegados
do corpo, ... mas pesarosos das novas dificuldades das correntes do Remesal e
da Pedras de Linhares.
... e após toda esta
aventura, de gigo ou cesto nas mãos, era de quem mais via ao longo do areal a
tarefa da apanha da "Bosta dos bois" para a adubação dos campos e
vedação da porta do forno !”
E porque era
preciso conhecer o ambiente da aldeia como e onde morava essa gente esforçada e
solidária, porque dessa matriz também se tempera o carácter dos homens, fomos
percorrer os montes e vales, caminhos e quelhos daquela aldeia em anfiteatro
para o Rio Mau, na fralda da Serra da
Boneca, em frente a Pedorido.
Fomos afagar como nosso tacto as pedras e sinais, testemunhos de
vivência e cultura de muitas gerações. Ficamos extasiados, com a beleza
paisagística soberba com as fortes
marcas da actividade geológica, e também
da mão humana visível em toda a bacia do
Rio Mau, onde pontuam hortas e socalcos, lameiros, levadas e minas, todos bem
antigas.
Experimentamos
diversas sensações: a vertigem no Poço Negro visto lá do alto contrastante com
a confortante acalmia e pacatez da vida no lugar, ao ritmo do lento deslizar do
Rio Mau aos seus pés, no fim de tarde, que dá a respirar uma aragem fresca que nos refresca, em todo o lado;
admiramos
a paisagem infinda, e vieram-nos à memória tempos livres da juventude quando
deparamos com a praia e moinhos; e adivinha-se o aconchego familiar, para lá
das paredes, portões e terraços, por onde passamos; resistimos ao frenezim, de partir à aventura e
descoberta desse mundo de penhascos, poços e
minas encantados e povoados de
lendas e fantasmas ali, no poço dos Mouros, daquele pórtico prá nascente – que os mais velhos
sempre proibiam aos mais novos, até que
soubessem nadar, crescessem e se tornassem
adultos.
O nosso
guia, foi-nos guiando e legendando estas vistas, que amiúde nos surpreendiam e
extasiavam, desfiando um rol de vivências e estórias passadas – ora
fantasmagóricas, ora hilariantes, verídicas, tecidas pela ruralidade, pela crença e pela garra das gentes destes
sítios;
Depois, não se esquece que Pedorido vê-se lá do alto, da Estivada, emoldurado
pelo Douro, qual quadro pintado, tendo como fundo terras de Arouca, a perder de
vista e de uma beleza extrema, que é
inesquecível e dificilmente comparável. Sofre-se agora ao pensar nos
prejuízos, angústias e devassa que terão provocado os recentes fogos naquela
paisagem… Vamos ao trabalho, cuidar do que resta...
fotos e textos; Martinho Rocha / Mário Oliveira
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