SAI JUNO, RESSURGE JUNHO COM SANTOS CRISTÃOS
- Horácio Paiva *
Há tempos, há quase dois mil anos, Juno - rainha dos deuses greco-romanos, esposa de Júpiter - deixou vago o seu mês, Junius (cujo nome a homenageia), aos novos santos cristãos que aportariam no que fora o antigo e poderoso Império Romano (que lhe dedicou veneração por séculos).
Em Roma, sede do Império, seriam perseguidos e vieram a morrer Pedro, crucificado (mas de cabeça para baixo, a seu pedido, porque dizia não ser digno de morrer do mesmo jeito do seu mestre, Jesus), e Paulo, decapitado (forma de execução destinada a cidadãos romanos, título que detinha); João, o anunciador do Cristo, fora, antes, martirizado em Macheronte (Maqueronte, fortaleza e palácio de Herodes Antipas, tetrarca da Galileia, na atual Jordânia). Antônio chegaria depois, séculos depois, mas então simplesmente à Itália, quando ali já não havia o imenso Império que abrangia outrora quase todo o mundo ocidental e parte do oriental, inclusive as terras de nascimento desses nossos santos cristãos, e morreria em Pádua.
No calendário hagiológico da Igreja Católica, as datas de celebração são definidas em função do falecimento dos santos titulares. Assim, na ordem do mês de Junho, Antônio, falecido em 13 de junho de 1231, é o primeiro dos santos, seguido por João (dia 24) e, finalmente, por Pedro e Paulo (dia 29).
Rica expressão tem, portanto, o mês de Junho na tradição católica. Não apenas pela exuberância de suas comemorações, festas, folguedos e fogos. Mas também, e sobretudo, porque reúne e estampa, coincidência ou não, no espelho desses santos homenageados, o perfil de uma Igreja profética, intelectual e popular, construído através dos séculos e responsável pela sua grandeza.
Em junho, temos, portanto: o começo, o cristianismo primitivo que exsurge em Pedro - o apóstolo pétreo sobre o qual a Igreja foi erguida; o messianismo profético em João; o aperfeiçoamento doutrinário e o helenismo em Paulo (a ponto de islâmicos nos criticarem dizendo-nos paulinos e não cristãos); a cultura, a história, a consolidação retórica em Antônio.
Por outro lado, interessante notar como as tradições mais antigas parecem influenciar a posteridade, mesmo com a mudança de fé e crença religiosa. Juno, a deusa mitológica que nomeia o mês de Junho (Junius, em latim), era, para os antigos romanos, a deusa protetora do casamento, da maternidade e da família. Mesmas funções atribuídas, sob o Cristianismo, ao nosso Santo Antônio (não obstante advindas de suas qualidades espirituais), cujo mês de devoção também é junho.
Por Santo Antônio, além da admiração religiosa e existencial, tenho a curiosidade familiar da ancestralidade, a partir de Portugal e da família Paiva.
Santo Antônio, batizado como Fernando Bulhões (sobrenome do pai), era bisneto materno do poeta, trovador, nobre e magistrado João Soares de Paiva, antepassado dos Paivas, primeiro a “pôr no papel”, sob registro, esse sobrenome. Português de nascimento, é também chamado de Santo Antônio de Lisboa, embora universalmente mais conhecido como Santo Antônio de Pádua, Itália, onde exerceu, como franciscano, seu largo, profundo e santo magistério. Santo das famílias! E por isso popularmente identificado como “santo casamenteiro”. Não é à toa, pois, que o Dia dos Namorados é 12 de junho, véspera festiva do Santo. São Francisco falou às aves. Santo Antônio pregou aos peixes.
“Vos estis sal terrae” (“Vós sois o sal da terra”), diz o Evangelho. Mas, de Santo Antônio, disse o Padre Vieira que “foi sal da terra e foi sal do mar”. Viva Santo Antônio! Viva a Ordem dos Frades Menores, a Ordo Fratrum Minorum! Viva São Francisco!
Nesse meu poema, cito os dois amigos e irmãos da mesma Ordem religiosa, a Ordem dos Frades Menores, e que, segundo a tradição, falavam com os peixes e com os pássaros:
DEUS NÃO ESTÁ FORA
Deus não está fora
não saiu a passeio
A linguagem de Deus se espalha
Há quem fale com os pássaros
e com os peixes
como Francisco e Antônio
Há quem fale com as pedras
e mesmo com o deserto
mas isto só os iluminados
como os velhos eremitas
E no pão consagrado
Deus está presente
À porta de sua casa
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(*) Horácio de Paiva Oliveira - Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.